para a Madalena Marques
"Não há que buscar em quaisquer dos textos idéias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem idéias que não aceito, sentimentos que nunca tive. Há simplesmente que os ler como estão, que é aliás como se deve ler."
Hoje surpreendi Sueto lendo Fernando Pessoa
-Estranho, pensei no primeiro momento, uma gata que lê Fernando Pessoa...
Mas não concluí se achava estranho por se tratar de uma gata ou de Fernando Pessoa . Mais provável que Fernando Pessoa pois em se tratando de Sueto já não estranho mais nada. Para quem lê, no entanto, outros escritores e poetas, também não havia que estranhar em ser Fernando Pessoa.
Enfim, Sueto mais uma vez me desconcertava.
-Já leste? , me perguntou, notando minha curiosidade.
- Sim, claro. Gosto muito de “A Tabacaria” e “Ode Marítima”. Quero dizer, principalmente, porque gosto de quase tudo.
- Não sabes me dizer se escreveu sobre gatos?
O que gosto em Sueto é que sempre está procurando saber mais principalmente sobre os humanos. Já que está destinada a viver, como felina, entre os humanos, empenha-se em conhecer cada detalhe da forma como se comportam. Em particular, investiga o que os humanos pensam ou já escreveram sobre gatos. Tem descoberto muita coisa o que permite concluir, segundo me disse, que eles são muito importantes para os humanos.
- Não sei, realmente não sei. Mas muitos escritores, sim.
- Isto já sei.
- Agora, certamente, o que não é comum, é encontrar felinos que escrevam sobre humanos. O teu caso.
- Mas há quem duvide.
- Do quê? Que escrevas?
- Sim, que sejam textos escritos por mim e não por um humano, no caso tu. Aliás há até quem duvide que eu tenha existência e eu não passe de uma criação literária.
- Sueto, de certa forma, eu concordaria com esta tese, disse tentando ser jocoso. E não sou o único a pensar assim, completei.
Sueto não me respondeu.
Tinha este costume irritante de interromper uma conversa com seu silêncio. Seria uma técnica felina? Teria aprendido com as mulheres?
- Tu não concordas?, perguntei para tirá-la do mutismo.
Como continuou em silêncio, decidi não insistir. Sentia-me humilhado de fazer a mesma pergunta várias vezes tentando ter uma resposta de Sueto. Desta vez, portanto, virei as costas e saí. Mas isto, em vez de resolver a questão, me trouxe irritação ainda maior. Decorrido dois minutos voltei e perguntei
- E então, já tens uma resposta?
Sueto, ainda entretida a ler Fernando Pessoa, deu-me desta vez atenção e perguntou:
- Podes repetir a pergunta?
Só então me dei conta de que já tinha esquecido.
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